sábado, 31 de janeiro de 2015

A República dos Parentes no Maranhão


O caso do governo do Maranhão motiva uma reflexão mais apurada sobre a democracia e a função dos partidos políticos no Brasil.

A Súmula Vinculante nº 13, do STF, não surgiu no ordenamento jurídico brasileiro por obra do acaso. Ela é produto de um sentimento que obrigou o tribunal de cúpula do Poder Judiciário a enfrentar um aspeto do problema que acomete a política do nosso país, desde os primórdios da colonização portuguesa.

Na Carta de Pero Vaz de Caminha já se podia ler:

“E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi. E, se a algum pouco alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha de vos tudo dizer mo fez assim pôr pelo miúdo. E, pois que, Senhor, é certo que assim neste cargo que levo, como em qualquer outra coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há-de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé Jorge de Osório, meu genro, o que d’Ela receberei em muita mercê.”

Diante a omissão flagrante do Congresso Nacional, a referida Súmula foi publicada, sob protestos de vários segmentos da área jurídica, que se opunham ao ativismo judicial e ao risco da invasão de atribuições nos poderes. O Supremo decidiu corajosamente à míngua da atuação da política representativa, mergulhada em crise de legitimidade.

De fato, a República não poderia prescindir da necessária atualização de alguns princípios, esquecidos no submundo do patrimonialismo brasileiro. Os casos de apropriação do patrimônio público por amigos, parentes e apaniguadas são inúmeros e comprometem a lógica da separação entre o público e o privado, fundamento para a meritocracia e para a honestidade na Administração Pública.

Portanto, seja uma questão moral (a direita republicana pensa assim), seja uma questão ideológica (a esquerda radical pensa assim), essa prática fere os princípios constitucionais da isonomia,  da impessoalidade e da moralidade na Administração Pública. Ou seja, o nepotismo é considerado hoje uma prática nefasta e anti-ética.

O problema no Maranhão é que a Súmula do Supremo está sendo utilizada para justificar imoralidades comparáveis às práticas do período oligárquico. Mais do que uma questão legal, tornou-se uma questão política e ideológica.

Lembremo-nos que a ideia inicial da súmula era dar a maior abrangência possível aos princípios da moralidade e da impessoalidade, mas isso não foi alcançado, frustrando-se expectativas de avanços. A Súmula, embora a política tradicional discorde, não representa o fim das diversas modalidades de nepotismos existentes no Brasil. Sequer pode conter o monopólio do conceito.

É o próprio Supremo que afirma nos seus julgados: "O enunciado da Súmula Vinculante nº 13 não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, uma vez que a tese constitucional nele consagrada consiste na proposição de que essa irregularidade decorre diretamente do caput do art. 37 da Constituição Federal, independentemente da edição de lei formal sobre o tema  (Rcl 9284 / SP - SÃO PAULO. DJe-227 DIVULG 18-11-2014 PUBLIC 19-11-2014). No mesmo sentido; Rcl 15451 AgR / RJ - RIO DE JANEIRO.DJe-066 DIVULG 02-04-2014 PUBLIC 03-04-2014).

A moralidade e a impessoalidade são imposições legais que têm por objetivo promover a separação entre a esfera pública e a esfera privada.  Nesse ponto, o poder de nomeação para exercício de cargos públicos de confiança não poderia ser utilizado para conceder favores ou permitir que o Estado funcione como “cabide de empregos”. Esse raciocínio simples já é maior do que a Súmula Vinculante n.º13.

Só para se ter uma ideia, tendo por fundamento a referida Súmula, o STF considera legal a nomeação de parentes para cargos de governo (os chamados agentes políticos), tais como secretários e Ministros. Tal absurdo, embora ao abrigo da Súmula, sempre foi denunciado pelos grupos oposicionistas no Maranhão, como prática imoral e patrimonialista.

A nomeação de parente para exercer cargo de confiança com atribuições políticas é considerada imoral, pelo senso médio de qualquer eleitor. Essas nomeações claramente apontam para a criação de um regime de privilégio e, por conseguinte, atentatório ao princípio da igualdade, sem qualquer fundamento de validade constitucional, para além de qualquer súmula.

Mesmo no âmbito do STF, a não incidência do verbete da Súmula Vinculante n° 13 do STF quanto às nomeações para cargos de agentes políticos não as torna incensuráveis. O Ministro Menezes Direito, no julgamento de uma reclamação por suposta violação à Súmula Vinculante n° 13 do STF afirmava:

"Eu me permitiria fazer uma pequena observação. Por ocasião do julgamento do leading case que levou à edição da Súmula 13, estabeleceu-se que o fato de a nomeação ser para um cargo político nem sempre, pelo menos a meu ver, descaracteriza o nepotismo. É preciso examinar caso a caso para verificar se houve fraude à lei ou nepotismo cruzado que poderia enseja a anulação do ato ( AgR-MC-RCL n° 6650, 2008, p. 16).

A Ministra Cármen Lúcia também não se conformou com o alcance interpretativo da Súmula,  afirmando "não existir “liberdade absoluta em espaço algum”; do contrário, “o governante poderia escolher apenas os seus familiares para todos os cargos. E por ser cargo político, isso seria permitido? De modo algum” (RE 579.951, 2008, p. 50).

Diante de uma possível interpretação restrita da Súmula (certamente por uma visão patrimonialista de Estado), ainda assim teremos no horizonte problemas jurídicos. Os casos de fraude à lei ou abuso de poder podem ser perfeitamente caracterizados para burlar a vedação ao nepotismo, por exemplo.

E é exatamente essa a compreensão que se deve ter na análise das nomeações para cargos de agentes políticos. Mesmo quando não seja possível extrair da norma constitucional vedação absoluta para que esta recaia sobre algum parente do governante, é preciso investigar não apenas a legalidade, mas a legitimidade. E assim, repudiar todo o ato que, embora revestido de suposta legalidade, não se mostre conforme o Direito, tornando-o ilegítimo.

Tais reflexões de ordem jurídica não são menos importantes do que as posições ideológicas. Talvez esse seja o incômodo de Deputado Domingos Dutra, Secretário de Representação Institucional no DF do Governo Flávio Dino, um anti-sarneísta crônico vendo ruir os fundamentos do seu discurso histórico contra a oligarquia.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Reforma política urgente! Frei Betto



Foi inusitada a eleição de 2014 para eleger presidente, governadores de 26 Estados e do Distrito Federal, deputados estaduais e federais (estes, 513 para a Câmara dos Deputados) e renovar 1/3 do Senado. Para presidente, 11 candidatos! Cinco formados nas fileiras do PT: Dilma, Marina, Eduardo Jorge, Luciana Genro e Zé Maria.

O Congresso Nacional, a ser empossado este ano, é remendo novo em pano velho, como diz o Evangelho. De cada 10 deputados federais eleitos, sete receberam recursos de ao menos uma das dez empresas (empreiteiras, mineradoras, agroempresas, bancos) que mais investiram na eleição. Algumas delas com seus diretores trancafiados na lavanderia da Operação Lava Jato, comprovando que nem a Suíça lava mais branco...

Nós votamos, elas (empreiteiras, bancos, etc.) elegem, até que se proíba o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas. De fato, já está proibido, mas de direito ainda não: seis dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram pela proibição e, no momento de manifestar seu voto, o ministro Gilmar Mendes pediu vista e enfiou a decisão debaixo do braço. A decisão foi tomada pela maioria, mas enquanto Mendes não se pronunciar a corrupção continuará grassando em nosso sistema eleitoral.

O Congresso de 2015 não será formado propriamente por bancadas de partidos, e sim de interesses: bancada do agronegócio, bancada das empreiteiras (214 deputados de 23 partidos), bancada dos bancos (197 deputados de 16 partidos), bancada dos frigoríficos (162 deputados de 21 partidos), bancada das mineradoras (85 deputados de 19 partidos), bancada da bebida alcoólica (76 deputados de 16 partidos). Sem falar nas bancadas evangélica, da grande mídia, etc.

A bancada da bala comemora. Mais de 70% dos candidatos que receberam, legalmente, doações de campanha da indústria de armas e munições, se elegeram em outubro. Dos 30 nomes beneficiados pelo setor, 21 saíram vitoriosos das urnas: são 14 deputados federais e sete deputados estaduais. Fabricantes de armas destinaram R$ 1,73 milhão para políticos de 12 partidos em 15 Estados.

Ganha força em todo o País a proposta de se levar adiante a reforma política, com financiamento público das campanhas, redução do número de partidos, fidelidade partidária, e promovida por meio de uma Constituinte exclusiva. O plebiscito, realizado a 7 de setembro de 2014, recolheu mais de oito milhões de votos.

As mudanças exigidas pelas manifestações de junho/julho de 2003, e apoiadas por amplos setores da sociedade civil, têm escassas possibilidades de ser abraçada pelos deputados e senadores eleitos pelo viciado sistema do financiamento privado das campanhas eleitorais.

O principal obstáculo para a reforma política é a atual composição do parlamento: mais de 70% de fazendeiros e empresários (da educação, da saúde, industriais, etc.); apenas 9% de mulheres (elas são mais da metade da população brasileira); 8,5% de negros (51% dos brasileiros se autodeclaram negros); menos de 3% de jovens (os jovens de 16 a 35 anos representam 40% do eleitorado do Brasil).

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Syriza e Podemos avançam na Europa, e Dilma se rende ao ajuste fiscal de Joaquim Levy

Revista Forum


Por Rodrigo Viannajaneiro 26, 2015 09:48

“A Grécia vai deixar a austeridade da catástrofe e do medo”, garantiu Alexis Tsipras no seu discurso. “Os que foram derrotados foram a elite e os oligarcas. Vamos ter de volta a nossa dignidade, a nossa soberania.”


Alexis Tsipras (Grécia) e Pablo Iglecias (Espanha) vão ceder às levyandades do mercado?

por Rodrigo Vianna

A vitória do partido de esquerda Syriza, na Grécia, é uma resposta da Democracia contra o chamado “Mercado” – que tenta sequestrar a vontade popular impondo um programa liberal “inevitável” (como se homens e mulheres não pudessem escolher o seu caminho).

O Syriza ganhou as eleições na Grécia, terá maioria no Parlamento sem necessidade de grandes acordos ou concessões. A vitória veio depois de 6 anos de crise social catastrófica. E vejam que curiosa a forma como a imprensa brasileira trata o assunto: “Esquerda radical vence na Grécia“, diz o UOL/Folha; “Esquerda radical chega ao poder na Grécia e preocupa Europa”, diz o Estadão.

Desde 2008, os governos gregos seguiram à risca o programa neoliberal do FMI e da União Européia – sob supervisão da Alemanha. Resultado: cortes, desemprego, recessão.

A economia grega encolheu 25% em 6 anos. Um de cada quatro trabalhadores perdeu o emprego. Houve um desmonte do Estado, uma submissão completa ao chamado “Mercado”. Mas a imprensa brasileira jamais chamou os governos gregos anteriores, que adotaram esse programa suicida, de “direita radical”, ou de “ultraliberais radicais”.

Pouco importa, a essa altura. A tentativa agora será emparedar o Syriza, gerando tensões, obrigando a nova liderança grega a “jogar o jogo” de Merkel.

O problema para a direita liberal européia é que há outro jogo em andamento. Na Espanha, o “Podemos” (que “O Globo” também chama de “esquerda radical”) é favorito para vencer a eleição deste ano. Com um programa de aprofundamento da Democracia.

O líder do “Podemos” espanhol, Pablo Iglesias, fez aliás um comentário cáustico sobre a vitória do Syriza na Grécia: “Os gregos não terão mais à frente do governo um delegado a serviço de Angela Merkel”.

O Syriza e o Podemos não são “radicais”. Esse adjetivo é uma forma de jogá-los numa espécie de gueto ideológico. Radical era a Thatcher que esculhambou o Estado inglês. Radical é o Samaras (primeiro-ministro grego, ultraliberal, que fez o serviço sujo para o FMI e a Merkel).

Radical, talvez, fosse o Lênin. Ah, se algo parecido com Lênin existisse na Grécia, o Samaras estaria a caminho do fuzilamento. Mas não é assim. O Syriza joga na Democracia. É uma chance de resgatar a Democracia da mão dos fundamentalistas liberais.

O curioso é que a Europa – ou parte dela ao menos – ameaça virar à esquerda no exato momento em que o Brasil faz um estranho giro à direita. Joaquim Levy foi à Europa para participar do convescote liberal em Davos (Suiça). Parece que o Brasil volta aos tempos de FHC, quando ministros bem comportados se exibiam como fiéis cumpridores da fórmula liberal. Patético.

Durante 6 anos, enquanto a Europa se afundava em desemprego e recessão, o Brasil (sob o comando de Guido Mantega na Fazenda) resistia, e adotava uma fórmula oposta à sugerida pelos neoliberais.

Grécia, Espanha, Portugal e Itália seguiram à risca a formulinha liberal. Naufragaram, deixaram a Alemanha mais forte, e agora buscam saídas.

Mas o jogo é confuso. Na França, a crise ameaça levar o país para a direita fascista. Le Pen (a filha) com sua Frente Nacional (extrema-direita) pode ganhar o poder, depois da traição programática do PS (Partido Socialista) francês. Não será uma saída pela esquerda. Mas Le Pen significará também o fracasso da Europa liberal.

Nessa hora dramática, e depois de ter resistido bravamente, o Brasil inicia um ajuste liberal – com a marca da traição programática que deixou o PS francês em frangalhos.

O que o Syriza tentará fazer a dura penas na Grécia (mas com maioria parlamentar e mobilização nas ruas) é o que o PT já conseguiu fazer nos últimos anos: programas sociais, redução da desigualdade, defesa do Estado e da soberania nacional.

Tudo isso corre risco aqui no Brasil. A direita pode implodir, por dentro, o que se conseguiu construir nos últimos 10 ou 12 anos.

As ações de Levy e a omissão de Dilma (que sumiu e não fala com sua base social) mostram que o quadro pode se agravar.

Se Dilma não corrigir o rumo, o Brasil irá para a recessão. Com a direita babando pelo impeachment e os movimentos sociais nas ruas, estará aberta a disputa: mais adiante, teremos uma saída a la Syriza? Ou no estilo Le Pen?

Hoje, o jogo está indefinido.

O Brasil tem um mercado interno poderoso e um arremedo de Estado social criado nos anos Lula. Tem bancos públicos e uma classe trabalhadora razoavelmente organizada. Tem um partido de esquerda (?) ainda com alguma força, como o PT.

Deveria usar esse patrimônio para impedir que a crise se aprofunde.

A Esquerda pode costurar um programa que signifique defender os avanços dos anos Lula, radicalizando a Democracia, defendendo o papel do Estado e rejeitando o programa dos Armínios e Levys.

O PT e Lula ainda podem ajudar a costurar esse novo pacto. Mas se não agirem rápido, correm o risco de virar um PASOK (o velho partido de centro-esquerda grego, que teve menos de 5% dos votos) ou um PS francês – que jogou a história no lixo e abriu caminho para a extrema-direita fascista.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Comunidades Tradicionais ameaçadas nos Lençóis



As lagoas ainda secas, aguardando o período chuvoso.


A morraria no linguajar da região.





Nas proximidades da Lagoa da Gaivota, em cima da morraria.




Na sede do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Santo Amaro.


Em Santo Amaro, com os atingidos pelo Parque .Brasília – Mais de 5,5 mil pessoas de comunidades tradicionais vivem no território do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM). Essa modalidade de unidade de conservação não permite a permanência de moradores, sendo totalmente inadequada para a realidade histórica da ocupação daquele ecossistema. As comunidades vivem na região há mais de 200 anos e o governo pretende iniciar o processo de desocupação. Nos últimos anos, inúmeras restrições e impedimentos inviabilizam a reprodução social daquelas comunidades, disseminando o pânico, impedindo o desenvolvimento econômico, promovendo o êxodo rural e a pobreza. Nada parecido com a propaganda oficial sobre o Parque, conhecido apenas por suas belezas naturais. As comunidades tradicionais querem a preservação do Parque, mas em harmonia com suas formas de vida centenárias.

O Parque foi criado em 1981, pelo Decreto Federal nº. 86.060, sem levar em consideração as dezenas de comunidades que ali habitam desde o início do processo de colonização da região. O plano de manejo foi aprovado em 2003, sem oitiva das comunidades e partir da visão que torna inviável a conciliação de interesses entre os povoados e a preservação. Somente por ocasião da elaboração do Plano de Manejo, em 2003, o IBAMA passou a reconhecer oficialmente a existência de cerca de 215 comunidades dentro do território da Unidade de Conservação.

Com a implantação do Parque, as comunidades que ali residem ficaram impedidas de vários fatores de desenvolvimento e de acesso a direitos fundamentais, como acesso à àgua potável e esgoto, acesso à energia elétrica, colégios, hospitais, estradas. O ICMBio faz restrições atualmente à construções de moradias, reformas de casas, criação de animais, plantio de roças e de cajuais (uma atividade importante na região) e de acesso às antigas trilhas.

Os PNLM não é o único caso de conflito entre unidades de  conservação integral e comunidades tradicionais. O país já contabiliza 221 situações semelhantes, exigindo um novo modelo de proteção ambiental para situações onde a presença dos grupos tradicionais permita a harmonização dos interesses ambientais com o direito dos grupos étnicos que compõem a nossa identidade.

No município de Santo Amaro, contabilizamos trinta comunidades tradicionais dentro do Parque. Grande parte do município está dentro dessa unidade de conservação. O mesmo pode se dizer de Barreirinhas e Primeira Cruz. 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Adeus a Humberto do Maracanã


Foto:Mirante

Humberto morre hoje, após complicações decorrentes de uma cirurgia. Ele estava internado desde o dia 18 de janeiro, na UTI, do Hospital Carlos Macieira. Com uma infecção generalizada, foi submetido a uma delicada cirurgia para amputação de uma perna.
Ele estava com 75 anos de idade e mais de quarenta atuando como amo do boi de Maracanã, onde se notabilizou cantando toadas do sotaque da Ilha.

Com pena de morte, Indonésia está na contramão da história


Notícias Uol


Maurício SantoroEspecial para o UOL17/01/201506h00

Marco Archer se tornará o primeiro brasileiro a ser executado por um governo estrangeiro. Ele foi condenado ao pelotão de fuzilamento na Indonésia e seus apelos jurídicos foram negados. A Anistia Internacional repudia a pena de morte em qualquer circunstância e lançou uma mobilização para que a sentença não seja aplicada, e para que o Estado indonésio apresente uma forma alternativa de punição, que não passe por esse assassinato a sangue frio, conduzido por agentes públicos.

É uma forma de castigo cruel, desumana e degradante, uma violação do direito à vida. Sua aplicação recai de modo desproporcional sobre os grupos mais vulneráveis em cada sociedade: pobres e minorias étnicas/religiosas.

Marco teve sua execução agendada para este fim de semana, junto com outras cinco pessoas, da própria Indonésia e da Holanda, Nigéria e Vietnã. Todos foram condenados por tráfico de drogas. Os fuzilamentos fazem parte de uma política do novo presidente do país de aumentar a aplicação da pena de morte, usando as vidas dos prisioneiros como um instrumento de propaganda.

A Indonésia está na contramão da história. Cerca de 140 países não têm mais a pena de morte ou não a aplicam na prática. Há quatro tratados internacionais (ONU, Organização dos Estados Americanos e dois da União Europeia) que estipulam sua abolição total ou parcial, e resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas recomendando a moratória em seu uso.


Divulgação

Marco Archer Cardoso Moreira (dir.) está condenado à morte na Indonésia



Há poucos países que resistem a isso, como China, Arábia Saudita, Irã e Iraque. Estados Unidos e Japão são as únicas nações ricas que ainda a utilizam, embora diversos Estados americanos tenham abolido essa forma de punição.

O Brasil aboliu a pena de morte para crimes comuns na primeira Constituição republicana, em 1891. Manteve-a apenas em tempo de guerra. Na prática, não a aplicava desde o fim do império, após Pedro II ter ficado chocado com um caso de erro judiciário no qual um inocente foi executado por assassinato. A ditadura militar a reestabeleceu, mas não a usou oficialmente. Os opositores que assassinou foram mortos em execuções extrajudiciais, sem passar por processos jurídicos.

O medo diante do crime às vezes leva as pessoas a apoiarem a pena de morte como uma suposta solução mágica que as deixaria seguras. Isso é uma ilusão. O caminho rumo a políticas eficazes de segurança é longo e difícil e passa por medidas como a construção de forças policiais bem entrosadas com a comunidade, um judiciário eficiente e a eliminação de condições de pobreza e discriminação que fomentam a violência. No próprio caso do tráfico de drogas – tema central nas execuções na Indonésia – diversos países experimentam alternativas à abordagem da repressão total, passando por distintas formas de tratá-las como uma questão de saúde pública, e não de crime.

O governo brasileiro agiu corretamente, com esforços para proteger Marco e impedir sua execução. É uma tarefa difícil pela intransigência das autoridades indonésias e pela manipulação política do tema naquele país.

Além das execuções agendadas para este fim de semana, há 160 pessoas no corredor da morte da Indonésia, incluindo outro brasileiro, Rodrigo Gularte, cujo caso é bastante parecido com o de Marco. Já perdemos muitos compatriotas na violência insana que leva milhares de vidas a cada ano. Podemos e devemos evitar a morte de outros.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Cajueiro questiona radicalmente o modelo de desenvolvimento

O Povoado Cajueiro está no centro de uma disputa que envolve grandes interesses: políticos, ambientais, fundiários e econômicos.

Os moradores desse espaço habitado desde os anos oitocentos jamais imaginariam que suas terras seria tão cobiçadas nos dias de hoje. O território está encravado na famosa Gleba Tibiri-Pedrinhas, de propriedade da União Federal e aforado ao Estado do Maranhão, nos termos do antigo Decreto 78.129/77.

Em 1998, o Estado do Maranhão, por intermédio de seu órgão de Terras, o ITERMA, transferiu o domínio útil das referidas terras, em regime condominial para os moradores do Cajueiro, numa dimensão de 610.0172 hectares, conforme as disposições da lei estadual n.º 3.840/77, para fins de implantação de um projeto de assentamento.

Em 2004, notícias da pretensão de instalação de um polo siderúrgico na região atemorizou os moradores. O pólo deveria ocupar inicialmente a área de 2.471,71 hectares. Para concretizar sua instalação, deveriam ser deslocados cerca de 14.500 habitantes, estabelecidos em doze povoados: Vila Maranhão, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Taim, Porto Grande, Limoeiro, Anandiba, São Benedito, Vila Conceição, Parnauaçu Madureira e Camboa dos Frades. O projeto esbarrou em forte oposição por parte de povos e grupos sociais tradicionais, apoiados também por ambientalistas e por movimentos sociais.

O Decreto nº 20.727, de 23 de agosto de 2004, reformulou a área do Distrito Industrial de São Luís - DISAL, medindo 18.861,04ha, pavimentando o processo de instalação dos grandes empreendimentos na localidade. O Distrito Industrial de São Luís foi criado pelo Decreto Estadual nº 7.632, de 23 de maio de 1980.

A governadora Roseana Sarney, por intermédio de um estranho Decreto, de nº 27.291, de 05 de abril de 2011, declarou de utilidade pública a área, para fins de desapropriação total, em favor da empresa SUZANO PAPEL E CELULOSE, na Faixa de Área destinada à infraestrutura de energia e transportes, no Distrito Industrial de São Luís - DISAL.

A empresa pretendia a construção de um porto de onde seria exportada a celulose produzida nas fábricas do Maranhão e do Piauí. A Suzano tem planos para investir aproximadamente US$ 6 bilhões na região, entre a formação da base florestal e os investimentos na área industrial. O porto faz parte da estruturação da etapa final do projeto logístico das suas unidades de produção, consistente nas fábricas de Imperatriz e Nazária, no Piauí.

A de Imperatriz deverá ter sua produção escoada, em terra, pela mineradora Vale a partir das ferrovias do Carajás e Norte Sul. Já a unidade do Piauí, a ser instalada possivelmente no município de Nazária, nos arredores de Teresina, terá sua produção escoada pela Transnordestina Logística, controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A produção nesta unidade tinha o início projetado para o segundo semestre de 2014.

Posteriormente, em 2007, a instauração do procedimento para a criação da Reserva Extrativista (RESEX) do Taim apontaram para a existência de várias comunidades tradicionais, habitando a mesma base geográfica proposta para a unidade de conservação: Porto Grande (169 famílias), Rio dos Cachorros (137 famílias), Taim (56 famílias), Cajueiro (107 famílias) e Tauá-Mirim (211), além de Limoeiro. À exceção da última, todas são assentamentos criados pelo Iterma.

Com a excessiva demora para a criação da Resex, o Ministério Público (MPF) ajuizou ação perante a justiça federal para responsabilizar civilmente o Instituto Chico Mendes pela omissão. A justiça federal concedeu a antecipação da tutela requerida em 29.08.2013.

O Estado do Maranhão sempre se opôs à criação da Resex, alegando que criaria obstáculos ao desenvolvimento econômico e que a área estaria inserida no Distrito Industrial - DISAL, estratégica para a logística em torno do Porto do Itaqui e demais empreendimentos ali existentes.

Desde o início do ano passado a empresa WPR, do consórcio da Suzano, passou a fazer levantamentos fundiários na área. Os moradores denunciaram que as ações envolviam ameaças, intimidações e intrusões nas áreas de posses centenárias, tituladas pelo Iterma. O licenciamento ambiental do empreendimento foi concedido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, à revelia de qualquer análise fundiária e dos impactos sobre as comunidades tradicionais ali existentes.

Em Outubro de 2014, a Defensoria Pública conseguiu decisão judicial para impedir a intrusão da WPR, que proibia que os moradores exercessem suas posses livremente.

Por intermédio do Decreto nº 30.610, de 30 de Dezembro de 2014, o Governador Arnaldo Melo declarou declarou  a área de utilidade pública, para fins desapropriação total, em favor de WPR Gestão de Portos e Terminais Ltda. Esse decreto é tão complicado quanto o de Roseana Sarney, de 2011: comete o mesmo erro de desapropriar diretamente em favor de uma empresa particular, desconhece as terras estaduais onde estão os assentamentos, desconsidera o domínio direto das terras da União, etc.

Agora, o Governador Flávio Dino revogou o decreto de Arnaldo Melo. Com o ato, uma nova etapa dessa luta se abrirá, com novas dinâmicas e partir de outros interesses, inclusive governamentais, como o da ampliação da área do Porto do Itaqui.

Ali, onde sobrevivem as fundações do antigo Terreiro do Egito, fundado por volta de 1864, muitas histórias povoam a memória de São Luís, cidade que primeiramente abrigou a identidade religiosa Mina, cujos sacerdotes ainda hoje visitam e reverenciam a área, encoberta pela mato rasteiro.

Esse terreiro foi fundado por Mãe Basília Sofia (Massinokou Alapong), originária de Cumassi, referência religiosa de Pai Euclides Talabian, da Casa Fanti-Ashanti e do saudoso Pai Jorge Itaci Kadanmanjá, do Terreiro de Yemanjá.

A tradição mais uma vez está no centro dos grandes interesses industriais que opõem nossas identidades ao progresso e ao desenvolvimento. A revogação do decreto do governador Arnaldo Melo é apenas um passo importante de uma luta que não pode cessar.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Em Pernambuco, o Pacto pela Vida está em crise


Sabe aquela reportagem que flagrou a bagunça de um presídio em Pernambuco, do dia 05 de janeiro? O Bom Dia Brasil foi até o maior presídio de Pernambuco, o Frei Damião de Bozzano - antigo Aníbal Bruno - para mostrar um túnel cavado pelos presos, mas acabou flagrando imagens ainda mais impressionantes. Presos armados de facão, cortando cabelo, jogando sinuca, administrando cantinas, falando ao celular...



Posteriormente, novas imagens, obtidas com exclusividade pela TV Globo e exibidas no Jornal Nacional desta quarta-feira (7), revelam diversas irregularidades no maior complexo penitenciário de Pernambuco. As cenas mostram uma farra feita por presos no Complexo Prisional do Curado, antigo Aníbal Bruno, na Zona Oeste do Recife. As cenas mostram os detentos se divertindo dentro de uma cela do Presídio Antônio Luiz Lins de Barros, que faz parte do complexo.

Presos jogando vídeo-game, facas ou portando celulares.Celas com aparelhos de TV, ventiladores, geladeira. Até uma fábrica de cachaça artesanal foi vista. Cantinas realizando vendas dos mais variados tipos, com estoque de comida e material de limpeza. O preço é inflacionado. Um ovo custa R$ 1.

Drogas ilícitas também são comercializadas livremente pelos presos, como cachaça, maconha, crack, propinol. Outro trecho da gravação mostra detentos preparando cimento para erguer um primeiro andar sobre as celas. É chamado de barraco. Dezenas de escadas são usadas por quem mora na parte de cima. Os cômodos são alugados por no mínimo R$ 1.000, chega até a 20. Em suma, esse sistema prisional é uma bagunça.

Pois bem. É lá de Pernambuco que o governo Flávio Dino foi buscar o chamado "Pacto pela Vida", que inspira o novo modelo de segurança a ser aqui implantado. Para os defensores do extermínio, aviso logo sobre qual é o primeiro valor onde se assenta o programa pernambucano:

"Articulação entre Segurança Pública e Direitos Humanos, em que a garantia do direito à vida é a principal meta"

Tem um outro também muito interessante, para os que têm medo da sociedade civil:

"Participação e controle social desde a formulação das estratégias até a execução das ações de segurança pública."

No Maranhão ninguém sabe como será implementado esse pacto, porque ele não está sendo debatido com a sociedade. É um pacto sem pacto.

O Pacto pela Vida (PPV) pernambucano foi implantado em 2007. O sistema prisional em Pernambuco vinha experimentando antes disso um aumento de sua população carcerária. Em 1999, existiam 7.533 presos em Pernambuco, tendo esta cifra dobrado em 2006 para 15.777 e, em março do presente ano de 2007, o Estado chegou ao número de 16.155 presos.

A implementação do PPV, que desde 2007 colocou em marcha uma série de estratégias de repressão e prevenção do crime com foco na redução dos homicídios, foi responsável pela diminuição de quase 40% dos homicídios no estado entre janeiro de 2007 e junho de 2013. Mas o idílio durou pouco, por vários motivos:

a) o peso excessivo dado ao viés repressivo, abandonando os outros pilares do programa;
b) o assédio moral sobre as polícias para o cumprimento de metas;
c) o incremento do encarceramento sem a abertura de novas vagas nos presídios.

Hoje, o que assistimos na TV é o reflexo da falência do Pacto pela Vida em Pernambuco embora o mesmo tenha sido vendido como panaceia durante as eleições.

Lá, seus problemas mais visíveis continuam a perpetuar algumas mazelas históricas do sistema prisional, como greves das polícias por salário e melhores condições e trabalho, superlotação e abandono do sistema carcerário e incremento dos indicadores de crimes violentos  letais intencionais (veja aqui).

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A República dos Bacharéis

Os bacharéis voltaram. Com a eleição do governador Flávio Dino percebe-se a visível ocupação de cargos de destaque do novo governo por advogados. A nova geração de juristas já está espalhada em todos os escalões do governo e parece influir no conjunto de medidas inicialmente adotadas.

Conforme o ideário da cultura bacharelesca já se percebe uma pretensão em mudar a realidade por instrumentos formais normativos, alguns deles visivelmente dispensáveis, mas com o intuito de impressionar. Os bacharéis preferem adornar o poder com leis e decretos, esse é o problema.

Juristas conservadores no entanto são perigosos, porque remontam ao elitismo colonial. Deles herdamos os palácios, as tribunas e o vestuário europeu. Eles são elitistas porque herdaram a terra. Nasceram no colo da riqueza e se formaram nas Universidades excludentes. Esses merecem mais cuidado da nossa parte. No governo Flávio Dino, essa nova geração será chamada reformular os antigos rituais da bata e do paletó.

Uma das características mais notadas do bacharelismo é a grande capacidade de manejar sofismas. Juristas adoram fazer as pessoas acreditarem em realidades discursivas. Veja alguns exemplos, extraídos do conjunto das 17 medidas anunciadas pelo governador no ato de posse.

a)  Alienação da Casa de Veraneio do Governador (Decreto nº 30.611), como nela residisse o grande símbolo da austeridade a orientar a gestão, que aumentou o já espantoso número de secretarias existente.

b) Auditoria – Constran (Decreto nº 30.614), como se um decreto tivesse força para tornar sem efeitos a sentença transitada em julgada de uma ação popular que já discutiu o tema.

c) Denominação de logradouros e prédios públicos (Decreto nº 30.618), proibindo o uso dos nomes de pessoas vivas ou inseridas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, como sendo responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura militar. Como se a proibição do uso do nome de pessoas vivas não existisse no ordenamento jurídico.  A questão agora é saber que vai pedir a retirada dos nomes dos prédios e logradouros que já existem.

d) MP 185 - A Medida Provisória nº 185 autoriza a representação judicial de membros das polícias Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros Militar por meio da Procuradoria Geral do Estado, nos casos especificados no texto da MP, invadindo a competência de Lei Complementar que define as atribuições dos procuradores de Estado e desrespeitando a PEC 82, de autoria do próprio governador, quando deputado federal. A MP desvia o foco dos principais problemas da segurança pública, tais como o aparelhamento, o efetivo, a política salarial...

Tudo isso poderia ser dispensável, não fosse o apego exagerado aos símbolos do poder exercitado pelas normas.

Por outro lado, a república dos bacharéis é inegavelmente moralista. Seu udenismo ressumbra não apenas em relação à casa de veraneio, mas também em alguns assuntos de somenos importância, como é o caso do cardápio do Palácio de Governo. Para outros, silêncio total. 

Chamou a  atenção a rapidez com que o governo suspendeu a licitação do cardápio palaciano, quando foi pego com a boca na botija. A comissão de transição já tinha feito olhos de mercador para o problema, quando seu papel primeiro seria checar as compras do final do governo passado.

Por outro lado, silêncio total e indiferença - no que se refere ao problema do Cajueiro, cujo decreto de desapropriação para construção de um Porto foi assinado no apagar das luzes do governo Roseana e vai atingir o povoado centenário, titulado pelo Iterma, na gestão de Marco Kovarick, dirigente do PCdoB, no primeiro governo Roseana.

O problema de Cipó Cortado, em João Lisboa, reflete a necessidade de uma posição do governo em relação aos despejos forçados. Qual será a metodologia agora?

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

CPT considera reforma agrária do governo Dilma a pior dos últimos 20 anos


Brasil de Fato




De acordo com a CPT, de 2011 a 2014 foram assentadas 103.746 mil famílias. No entanto, desse total, apenas 27% (28.313 mil) são ligados a processos de assentamento originados no governo Dilma, segundo a entidade

08/01/2015

Da Agência Brasil

A diminuição de desapropriações de terra, da quantidade de famílias assentadas e de novas demarcações de terras de indígenas e quilombolas levou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) a classificar os números da reforma agrária no primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff como “os piores dos últimos 20 anos”.

A afirmação consta de balanço divulgado hoje (7) pela comissão, dois dias após a nova ministra da Agricultura, Katia Abreu, ter dito que não existem mais latifúndios no país e negado a necessidade de uma reforma agrária ampla.

“Na nossa concepção, a situação dos camponeses está péssima, retroagiu. Basta pegar os números para ver que o governo não teve atenção com os camponeses e também com indígenas e quilombolas”, disse à Agência Brasil o coordenador da CPT em Pernambuco, Plácido Junior. “A opção foi pelo agronegócio”, criticou.

De acordo com a CPT, de 2011 a 2014 foram assentadas 103.746 mil famílias. No entanto, desse total, apenas 27% (28.313 mil) são ligados a processos de assentamento originados no governo Dilma, segundo a entidade.

No documento, a comissão critica a demora do governo no anúncio de decretos de desapropriação em 2014. Das 30 áreas foram liberadas para reforma agrária no ano passado, 22 só foram anunciadas no último dia do ano. “No entanto, isso não garante de fato o assentamento de novas famílias sem terra, pois, além do processo ser lento, os proprietários ainda podem decorrer da decisão.”

A CPT também aponta o aumento no número de áreas de conflito e da violência sofrida por trabalhadores rurais. “O ano de 2014 amargou a marca de 34 pessoas assassinadas no campo, o mesmo número de 2013”, diz o texto que indica os estados do Pará, do Maranhão e de Mato Grosso do Sul como os campeões de violência no campo.

Em nota publicada em sua página na internet nesta quarta-feira, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que o governo federal distribuiu aproximadamente 2,9 milhões de hectares durante o primeiro governo Dilma (2011-2014).

“Ao longo desse período, foram criados 493 projetos de assentamento em benefício de 107,4 mil famílias. Em 2014, foram assentadas 32.019 famílias ante uma meta de assentamento de 30 mil. Considerando a média de 2,8 ocupações por lote, projeta-se que 89,6 mil pessoas viverão e trabalharão nos novos projetos de assentamentos”, diz o texto.

O Incra informou ainda que, ao longo de 2014, foram investidos R$ 1,39 bilhão nas ações finais do instituto e que, desse montante, R$ 527.904 foram empenhados na desapropriação e aquisição de imóveis para assentamentos.

A diferença entre o politicamente incorreto do Charlie Hebdo e o politicamente incorreto de Gentili e derivados

DCM

Postado em 07 jan 2015
por : Paulo Nogueira



Charb, mártir da liberdade de expressão

Existem dois tipos de humor politicamente incorreto.


Um é destemido, porque enfrenta perigos reais. O outro é covarde, porque pisa nos fracos.

Os cartunistas do jornal francês Charlie Hebdo pertenciam ao primeiro grupo. Humoristas como Danilo Gentili e derivados estão no segundo.

Stéphane Charbonnier, o Charb, editor do Charlie Hebdo, disse uma frase sublime pela bravura e pela lucidez quando lhe perguntaram, algum tempo atrás, se não temia a vingança do fundamentalismo islâmico, depois de tantas charges sobre Maomé e de tantas ameaças.

“Prefiro morrer de pé a viver como um rato”, afirmou ele.

Charb tinha um ponto: num país laico, liberto há muito tempo do que Rushdie definiu como “irracionalidade religiosa”, era e é um absurdo não poder fazer sátiras sobre religião, qualquer delas.

Charb poderia recuar diante dos riscos. Mas, para ele e seus companheiros, isso equivaleria a viver como um rato.

Charb não conseguiria mais olhar para o espelho. Não se reconheceria, não se respeitaria.

Muitos absurdos são cometidos em nome da liberdade de expressão. Canalhas frequentemente a invocam com propósitos malignos e torpes.

Mas Charb verdadeiramente viveu — e morreu — pela liberdade de expressão. É justo tratá-lo como um mártir da liberdade de expressão, e reverenciá-lo enquanto existir alguma coisa parecida com jornalismo.

Os caricaturistas mortos não espezinharam minorias impotentes. O problema deles era com algo – o fundamentalismo islâmico – que os impedia de se expressar no mesmo tom que usaram tantas vezes para debochar de outras religiões.

Compare com a versão do humor “politicamente incorreto” de Danilo Gentili. Gentili é capaz de chamar uma mulata de “Zé Pequeno”, e de oferecer bananas a um internauta negro cansado de suas piadas racistas.

Ele provoca e estimula o que existe de pior no seu público, e não surpreende que seja seguido por pessoas como ele – preconceituosas, analfabetas políticas, estúpidas.

A coragem do humor “politicamente incorreto” de Gentili seria testada na França, desafiando coisas como o fundamentalismo islâmico, a exemplo do que fizeram Charb e companheiros.

Alguém consegue imaginá-lo neste papel?

Nem ele mesmo provavelmente, porque a essência de seu “humor” é a covardia. Chute quem não tem chance de devolver.

O que pôde fazer a mulata chamada de “Zé Pequeno”? Sequer a Justiça no Brasil coíbe esse tipo de agressão racista.

Um juiz conseguiu não ver racismo, numa sentença que entrará para a história da infâmia jurídica nacional, quando Gentili ofereceu bananas a um negro.

Gentili também se especializou em fazer humor contra o governo do PT. É um exercício interessando pensar como ele usaria sua “criatividade” se a presidência estivesse sob Pinochet, por exemplo.

Quando você vê gigantes do humor politicamente incorreto como os cartunistas franceses assassinados hoje por fanáticos, reconhece também pigmeus como Gentili.

Uma revista deu a seguinte chamada de capa quando Lennon foi assassinado: “O dia em que a música morreu.”

Você pode dizer agora, depois do fuzilamento bárbaro de Charb e companheiros: “O dia em que a charge morreu”.
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Sobre o AutorO jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

'‘Tá'‘ na hora da virada! As (péssimas) mudanças de Dilma: contra reforma agrária na marra e na bala

CPT

Publicado em Terça, 06 Janeiro 2015 11:33


O ano de 2014 se encerrou sob ataques constantes aos direitos dos trabalhadores rurais do Brasil. Em especial, quilombolas e índios sofreram verdadeiros ataques, quando da tentativa da bancada ruralista de votar e aprovar a PEC 215, no Congresso Nacional. No plano judiciário, por duas vezes entrou em pauta o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, movido pelo PFL (atual DEM), no STF, que visa tornar inconstitucional o decreto 4.887/2003, que regulamenta os procedimentos de titulação dos territórios quilombolas. Em 2015, a ADI será julgada!



(Diogo Cabral – advogado da CPT Maranhão)

Nessa direção, ao nomear Kátia Abreu como Ministra da Agricultura, numa aliança mais sólida e profunda com grileiros de terra, assassinos de lavradores e escravocratas, a presidente Dilma acenou que a contra reforma agrária realizada pelo seu governo será consolidada. Os números e ações governamentais em 2014, bem como o aumento substancial da bancada ruralista, indicam bem que se em 2015 os movimentos sociais do campo não forem capazes de construir uma agenda comum e autônoma face ao governo, REFORMA AGRÁRIA será um tema tal somente da memória.

No apagar das luzes de 2014, Dilma decretou tão somente 22 imóveis que poderão ser desapropriados para fins de reforma agrária. Na mesma direção, o governo, através do INCRA, publicou em diário oficial do dia 01.12.2014 a Portaria Nº 83, que torna mais demorado, complexo e burocrático os processos administrativos voltados para a obtenção de imóveis rurais para fins de reforma agrária (a Portaria cria uma pré-vistoria antes da vistoria, por exemplo). Associados a estas medidas drásticas, os recursos públicos destinados ao INCRA para realização das políticas públicas de reforma agrária são cada vez mais escassos e os números consolidados indicam uma diminuição vergonhosa! Segundo dados do próprio INCRA, Dilma desapropriou 186 imóveis para fins de reforma agrária, garantindo o assentamento de 75.335 famílias em 4 anos, ao passo que FHC desapropriou 3.539 imóveis, assentando 540.704 famílias.

Em relação às comunidades quilombolas, em 2014 não houve um único decreto publicado pela presidente Dilma, a fim de garantir a titulação dos territórios étnicos. Por outro lado, centenas dessas comunidades, em todo o país, enfrentam violentos conflitos em razão de grilagem de terra, expansão dos monocultivos, pecuária bovina e outros.

No Estado do Maranhão a situação dos conflitos agrários envolvendo quilombos é tão grave que motivou a ocupação, durante uma semana, por mais de 55 comunidades quilombolas, dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás/Vale, na cidade de Itapecuru-Mirim. Ao término da ocupação, com a presença de representantes da Secretaria Geral da Presidência da República, do INCRA, da Fundação Cultural Palmares, da Seppir, foi garantido o incremento das políticas públicas para titulação dos territórios quilombolas, bem como a publicação, em Diário Oficial, ainda em 2014, dos decretos das Comunidades Quilombolas de Charco (São Vicente Férrer) e Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim). O ano acabou e mais uma vez a presidente Dilma mentiu para milhares de quilombolas, com suas falsas promessas.

O desafio está colocado! Os adversários são claros e armados até os dentes! Mais de 1.000 ocorrências de conflitos agrários em 2014, vários assassinatos de lideranças camponesas, impunidade, concentração fundiária, grilagem de terra, despejos, persistência do trabalho escravo. É obrigação dos movimentos sociais do campo retomar as ocupações dos latifúndios, de autodemarcar os territórios quilombolas, de enfrentar o governo federal e sua ofensiva violenta, que ataca e viola frontalmente os ditames constitucionais e os direitos dos trabalhadores rurais. Chegou a hora da virada! Já chega de tanto sofrer!

Os índios estão de pé!

Cimi

Inserido por: Administrador em 05/01/2015.
Fonte da notícia: Por Elaine Tavares


A nova ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que é representante máxima do agronegócio no Brasil, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo disse, reportando-se a uma pergunta sobre os conflitos fundiários com os indígenas brasileiros, que isso só tem acontecido porque os "índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção".

Essa frase singela mostra o quanto a fazendeira desconhece a história do país da qual hoje está ministra. Para Kátia, lugar de índio parece ser apenas a profundeza da floresta amazônica, reforçando assim o estereótipo do "selvagem" que, ou se integra no mundo branco como base da pirâmide, ou que fique "no seu lugar", que é, obviamente, o recôndito da selva. Nada poderia ser mais patético, embora outra coisa não se pudesse esperar de alguém que certamente apenas conhece as fronteiras do seu latifúndio e o dos seus iguais.

Os indígenas brasileiros não são exclusividade da floresta amazônica, embora aquela região abrigue a maior parte das etnias. Eles estão em todos os estados do país, em regiões que em nada pode lembrar a "floresta". Ocupam áreas - muitas delas ainda não demarcadas - que muito mais parecem prisões insalubres do que território digno de vida. Raros são os grupos que já conseguiram demarcar territórios capazes de conter toda sua cosmovisão e de garantir o livre acesso a sua cultura. Outros tantos aguardam nas margens das rodovias, morrendo como moscas, que o governo demarque as terras que lhes são de direito.

Os indígenas brasileiros ocupam a imensidão do que hoje é o Brasil muito antes que os mais remotos ascendentes de Kátia Abreu tivessem aberto seus olhos para o mundo e, quando aqui chegaram os invasores portugueses roubando-lhes as terras, eles circulavam livremente pelo território que, então, tinha as fronteiras étnicas muito bem demarcadas. Logo, não são eles que estão "descendo para as áreas de produção", como entende a ministra, com sua mente de colonizadora do século XVI. É o contrário. São os grandes e médios fazendeiros que estão cada dia mais invadindo as terras indígenas, com o discurso de "garantir o aumento da produção agrícola". Um discurso furado também, porque os grandes latifúndios não produzem comida. Produzem grãos para alimentar gado nos Estados Unidos, ou cana para girar a indústria do biocombustível.

Também é importante dizer que ao longo de cinco séculos, enquanto os invasores assentavam suas bases, esses povos vêm lutando para garantir sua existência. Muitas etnias foram dizimadas mas ainda restam outras tantas que, atualmente, vivem um crescendo, retomando seu território e reavivando sua cultura. Para os fazendeiros que Kátia Abreu representa, essas população são, de fato, um atrapalho, e nem mesmo seu grito mais doloroso - como foi o caso dos Guarani Kaiwá, do Mato Grosso do Sul - encontra eco em suas mentes. Essa comunidade chegou a decidir imolar-se em uma luta sem quartel por suas terras e ainda assim segue sem a definição de seu território. No entender dos grandes proprietários de terra da região, bem melhor que morram, para que o estado fique livre do "obstáculo".

O que choca não é a opinião de uma mulher que, todos sabem, representa o latifúndio. Seria estranho se ela não pensasse assim. O que realmente nos atinge, de maneira cabal, é o fato de que esse pensamento expressado por ela encontra morada no coração e nas mentes de um número gigantesco de brasileiros, tomados pelo preconceito e pelas ideias racistas. Índio bom é o que fica na floresta, o que aguenta sua desdita em silêncio, o que não incomoda. Já aqueles que clamam por justiça, que enfrentam o latifúndio, que exigem do governo o seu território, esses são vagabundos, bêbados, terroristas, ou seja lá mais o que for de ruim e perverso. A ministra não está sozinha no seu discurso egocêntrico e racista. Isso é o que choca.

Tanto a mídia comercial, como os livros de história e as conversas em família - os longos braços da ideologia colonialista e racista - aprofundam todos os dias esse sentimento de rechaço pela luta indígena. Fazem parecer que toda a cosmovisão originária, de cuidado com o ambiente, de relações equilibradas com a natureza, de colaboração e equidade, seja uma coisa atrasada, anti-progressista, ligada a um remoto passado que nunca mais vai voltar. Exigem que os indígenas se "integrem" na civilização branca, mas, quando eles o fazem, são discriminados. Bem como se desejam ficar nos seus territórios originais, são tachados de anti-históricos. Exigem dos índios a sua desaparição, não querem se ver matizados com o que consideram uma "raça inferior".

O bom é que o atual movimento indígena brasileiro está cada dia mais forte. Tem lideranças jovens, aguerridas e persistentes. Uma gente que não se rende aos estereótipos e não faz concessões. Essas comunidades que o "mundo da produção" está invadindo, estão de pé e lutam. Saberão responder à altura toda a ignorância que insiste em se disseminar em declarações como essa, vindas da boca de uma ministra de estado. Os índios não estão descendo para as áreas de produção. Estão subindo as rampas dos palácios, entrando nas terras que lhes pertencem, exigindo seus direitos. E, a despeito de todos os que insistem em lhes esconder nas "florestas", eles assomam, coloridos, alegres e guerreiros, na direção da terra sem males.

Eko porã!

sábado, 3 de janeiro de 2015

E a doação de campanha da OAS?







A Folha de São Paulo divulgou a relação de Empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato da Polícia Federal, que doaram cerca de R$ 39 milhões para campanhas de 19 governadores eleitos e reeleitos.

A campeã em doações é a Construtora OAS, velha conhecida dos esquemas políticos tradicionais. Essa empresa doou para 13 governadores eleitos a quantia de R$ 16,6 milhões. O governador eleito no Maranhão, Flávio Dino, teria recebido R$ 1,45 milhão desse total.

Vários blogues locais, contudo, afirmaram que a Folha subestimou a doação da OAS para a campanha de Flávio Dino. Na prestação de contas dos eleitos, Dino recebeu da OAS mais de R$ 3 milhões em doações.



Em novembro, executivos da referida empresa foram presos na sétima fase da Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras. Da Empreiteira OAS, foram presos José Ricardo Nogueira Breghirolli, funcionário da OAS em São Paulo; Agenor Franklin Magalhães Medeiros, diretor-presidente da Área Internacional da construtora; o presidente da empresa, José Aldemário Pinheiro Filho; Mateus Coutinho de Sá Oliveira, funcionário da companhia em São Paulo, e Alexandre Portela Barbosa, advogado da empresa.

Os comunistas alegam que à época das doações não se sabia do envolvimento das empresas com o esquema. “Não havia à época nenhuma denúncia formalizada contra elas”, dizem em nota." A OAS já foi denunciada por trabalho escravo e na internet se vê problemas com ela no mínimo desde 2013.

Dentre as medidas anunciadas pelo novo governo, o Decreto nº 30.614 anuncia a Auditoria da Constran - onde, por meio de uma comissão,se pretende apurar a regularidade no pagamento do precatório que tem como credor a empresa Constran, investigado na Operação Navalha. A comissão será formada por membros da Secretaria de Estado de Transparência e Controle, da Procuradoria Geral do Estado e da Casa Civil.

Resta saber se Operação Navalha e Operação Lava Jato não têm nada em comum.

Segurança Pública do novo Governo e a simbologia da MP 185


Essa medida provisória, logo no primeiro dia de Governo, é estranha. É como se o novo Governo quisesse fazer um aceno, um gesto simbólico referencial para a atuação das polícias. No duro contexto da realidade das condições de trabalho dos operadores do sistema de segurança pública mais parece uma tentativa de desvio do debate essencial.

O que preocupa é que a norma pode ser um retrocesso, em termos de controle da letalidade e da arbitrariedade policiais. Nem entraria agora no debate da constitucionalidade, visto que as atribuições da PGE são fixadas por lei complementar.

O parâmetro mais próximo desse tipo de medida normativa está no art. 22, da Lei nº Lei 9028/90, que diz:

Art. 22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de                 atuação, ficam autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da         República, das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem           como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e           fundações públicas federais, e de cargos de natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrarhabeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo.

Acredito que o fundamento da MP vem dessa norma federal. O problema é que existe uma enorme distância entre as atribuições da Advocacia Geral da União e o funcionamento das polícias estaduais. Aqui o sistema é bruto, como diz o ditado popular, e essa a MP é simplista.

A medida parece desconsiderar a existência da Defensoria Pública no Estado, que tem por missão assistir pessoas necessitadas, servidores públicos ou não. Amplia o raio de atuação da PGE, sem considerar que a instituição padece dos mesmos problemas da Defensoria, em termos de déficit de número de procuradores. Talvez o objetivo seja escapar da autonomia que a Defensoria Pública dispõe para possíveis análises discricionárias dos critérios para o atendimento de tais casos. Mas essa maior independência da Defensoria em relação ao governo seria melhor do que o próprio Governo, por intermédio de seu órgão de representação judicial, assumindo defesas polêmicas aos olhos da sociedade.

Com a MP 185, existe o risco concreto de a Procuradoria Geral do Estado passar a sofrer pressões de toda ordem do corporativismo policial violador de direitos humanos para forçar uma interpretação benéfica do conceito de "ação decorrente do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar", para legitimar práticas violentas e arbitrárias.

Sob o manto da tutela da PGE, o índice de tortura e de letalidade policial poderá aumentar, impulsionada pelo discurso do combate à criminalidade. A mídia conservadora e  a governista se encarregará de disseminar as justificativas ideológicas para o extermínio e prática da repressão violenta contra pessoas sob custódia e uma nova onda conservadora, legitimando a linha dura do sistema de segurança pode estar a caminho. Como diria o Senador Roberto Rocha, política se faz com gestos.

Diante do atual quadro de crescimento das facções criminosas, já se imagina qual a opção do novo governo, em matéria de segurança pública. Nada parecido com a operação tigre, mas uma vertente próxima, mascarada por um verniz de legalidade pode estar chocando o ovo da serpente. Esse é um fantasma histórico que persegue oposição e governo no Estado.

Se o governo atual quiser apoiar as polícias, efetivamente, existem outras formas, inclusive dentro do conjunto de promessas da campanha. Certamente que a MP 185 não toca nos principais problemas das polícias do Estado, desaparelhadas e abandonadas à própria sorte. A norma parece mais estar sintonizada com o paradigma da intervenção bélica e da guerra espetacularizada contra o crime, uma receita que já provou não dar certo em lugar nenhum do mundo.

O problema não é apenas pensar na assistência judiciária de policiais que ganham pouco. Seria necessário abrir o debate acerca do perfil dos crimes onde a polícia maranhense é mais acionada judicialmente. E também é preciso pensar também no contexto da letalidade policial brasileira.

As polícias Civil e Militar no Brasil mataram, em média, mais de quatro vezes mais civis que a dos Estados Unidos, em 2012, e mais de duas vezes que as polícias da Venezuela. No Reino Unido foram registradas 15 mortes em confronto com as polícias, 126 vezes menos que no Brasil. Na Venezuela, onde a taxa anual de homicídios é de 45,1, foram 704 mortos pelas polícias, menos da metade dos mortos pelas polícias brasileiras.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2012, ao menos 1.890 brasileiros morreram em confronto com as polícias do país, o que dá uma média de cinco mortos ao dia. O Anuário de 2014, dispõe que  Nos últimos 5 anos a soma é de 1.770 policiais vitimados. No mesmo período, as polícias brasileiras mataram o equivalente ao que as polícias dos EUA em 30 anos. Além disso, a polícia também morre. Foram 490 policiais mortos violentamente no ano de 2013. Os dados reclamam uma reflexão nos procedimentos de intervenção e no lugar das polícias dentro do sistema de justiça criminal.

Portanto, conter a letalidade policial no Brasil é um desafio da segurança pública, que não pode prescindir da regulamentação da conduta policial. Segurança Pública também é cuidar para que as polícias não matem e não sejam mortas. Algumas sinalizações despretensiosas são suficientes para impactar o sistema.

Para se ter uma ideia, em São Paulo, o índice de letalidade policial esteve diretamente relacionado ao socorro em ocorrências com lesão grave ou morte. Os dados apontavam que o socorro policial estava acompanhado da morte. Com a proibição de prestar socorro, a polícia matou menos 41% naquele Estado.

Por outro lado, atendendo a uma recomendação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Polícia Civil de São Paulo não mais registrou ocorrências de homicídios cometidos por policiais como "resistência seguida de morte". Os casos em que pessoas são mortas após supostos conflitos com a força pública de segurança passaram a ser registrados como “morte decorrente de intervenção policial”, sujeita à devida investigação de suas causas.

São medidas importantes para o controle das polícias: ouvidoria, divulgação de índices de letalidade e de estatísticas criminais, programa de acompanhamento psicológico de policiais envolvidos em ocorrência com morte, comissão para redução da letalidade, policiamento comunitário, controle da discricionariedade policial por meio de procedimentos operacionais padrões etc. Aqui essas questões foram empurradas para trás, como coisas secundárias. O governador preferiu a simbologia de outros apelos emocionais, pelo visto.

O controle da polícia precisa se converter em em política de Estado. O cidadão só confiará na polícia se houver transparência e profissionalismo. E sem confiança, não há participação social nas ações voltadas para a segurança pública. Polícia violenta é fator de insegurança e de ineficiência no controle do crime. A MP do novo governo poderá ser utilizada para reafirmar um modelo de segurança pública, antes de pretensamente socorrer policiais em dificuldades financeiras.

Se o governo Flávio Dino vai bancar a representação judicial de policiais também deve ter o controle da letalidade policial e dos indicadores das práticas arbitrárias e violentas praticadas pelos agentes do sistema de segurança pública. Tais sinalizações deveriam no mínimo ser sincrônicas. Os dados sobre o uso da força devem ser indicadores estratégicos de um sistema de metas que repense a arquitetura do aparelho de segurança, sob pena de incentivar as práticas violentas extralegais, que são muito comuns no Maranhão.

A regulação do uso da força policial deve caminhar junto com os novos padrões organizacionais de atuação policial que resultem em maior eficiência e menos mortes. Para tanto, é preciso pensar no funcionamento sistêmico das políticas públicas, investir em formação, aparelhar delegacias e policiais para o bom desempenho de suas funções.

Antes que os defensores da tortura e da pena de morte se levantem, precisamos dizer: não se nega a legalidade do uso da força pela polícia, em situações autorizadas pelo ordenamento jurídico. No entanto, continuamos a ponderar a realidade que os números informam, indicadora de abusos, os quais contam com a tolerância de amplos setores da sociedade e a conivência de algumas instituições.

É preciso não confundir governo pretensamente popular com  populismo penal. O populismo penal é alimentado pelos substratos ideológicos do conservadorismo saudosista da ditadura militar. E esse governo precisa abrir o diálogo para outros significados da política de segurança pública, sob pena de se transformar em fotocópia do passado antes de assumir o presente como realidade inafastável.